quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Histórias do Lobo: ‘Tristeza’, em depoimento de Niltinho

O samba Tristeza foi lançado primeiro no bloco Foliões de Botafogo, que ensaiava ali na Amendoeira, como a gente chamava o terreno que existia na esquina da Rua Visconde Silva com Real Grandeza. Foi lá que cantei pela primeira vez, na versão original, maior do que o samba que hoje todo mundo conhece. Foi em 1963, ano seguinte ao meu casamento com Neuza Maria, minha esposa há 51 anos, mãe do meu filho e avó de nossos quatro netos.

O curioso é que ele foi feito depois de uma briga com ela, quando a gente ainda namorava. Eu tinha ficado amuado com a briga, todo arriado pelos cantos, e aquilo chamou a atenção de um amigo meu, o Carlinhos, jornalista da Ultima Hora, afinal eu era fui um cara extrovertido, alto astral. Contei pra ele o que tinha acontecido e ele me respondeu: “Ô, rapaz! Manda essa tristeza embora!” Aquilo ficou na minha cabeça e depois foi tomando jeito de samba.


Passei a cantar Tristeza tanto no Foliões de Botafogo quanto na São Clemente, escola do bairro, onde o samba também pegou. Entrou pro repertório no carnaval de Botafogo e o pessoal passou a cantar. Em 63, 64... Até que, em 1965, o Foliões foi se apresentar no Carioca Esporte Clube, no Jardim Botânico, e o Haroldo Lobo gostou do samba. “De quem é esse samba?” Um amigo nosso, o Baleia, respondeu: “É do Nilton.” Ele quis conhecer o tal escurinho que tinha feito aquele samba.

Marcamos de nos encontrar por ali mesmo, isso em meados de 65, quando ele me disse: “O samba é bonito, mas está muito grande. Tem que enxugar isso.” Eu não sabia que ele era ele, mas logo fui saber a quantidade de coisas lindas que ele tinha feito para o carnaval. Me perguntou se podia mexer no samba e claro que aceitei. E a contribuição dele foi o máximo: modificou a letra quase toda, mantendo a melodia e o "lalaiá", que já era o grande momento do Tristeza original. Até hoje acendo velas para Haroldo Lobo. Mesmo com os outros sucessos que fiz no samba, se não fosse esse encontro com ele, eu não seria Niltinho Tristeza.

Mas ele nunca ouviu o nosso samba gravado. Morreu pouco mais de um mês antes da gravação, feita na RGE pelo Ary Cordovil, entre agosto e setembro de 65. Imagine! Não conheceu o maior sucesso da carreira dele. E um sucesso que contou com uma passagem triste na história do Rio, que foram as enchentes que destruíram a cidade depois do temporal de 20 de janeiro de 66. Era dia de São Sebastião e o prefeito Negrão de Lima tinha suspendido o feriado. A chuva e tragédia derrubaram o astral das pessoas e por pouco não teve carnaval naquele ano. Tristeza vinha tocando no rádio e caiu como uma luva naquele momento triste dos cariocas.

Logo depois, veio a gravação do Jair Rodrigues e foi um estouro. E aí todo mundo gravou: Zimbo Trio, Elis Regina, Elizeth Cardoso... Depois foi pra outros países, com versões em inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, hebraico, japonês... Já foi regravada em 35 países! E, segundo a editora Fermata do Brasil, são mais de 500 regravações até os dias de hoje, por cantores como Luiz Melodia, Jorge Aragão, Diogo Nogueira, Soraya Ravenle, Roberta Sá... Um samba que não sai do imaginário das pessoas.

Por isso levanto as mãos pro céu por ter cruzado o meu caminho com o de Haroldo Lobo, parceiro fundamental para o sucesso do samba que eu tinha feito bonito e que ele deixou melhor ainda. 

Tristeza
Niltinho Tristeza e Haroldo Lobo

Tristeza
Por favor vá embora
Minha alma que chora
Está vendo o meu fim
Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero de novo cantar

Lalaiá lá...

Tristeza (versão original)
Niltinho

Tristeza
Por favor vá embora
Pois o meu coração
Já te serviu de moradia até agora
Vai, tristeza
Vai procurar outros ais
Pois já cansei de chorar
Já cansei de sofrer
E não quero sofrer mais
Vai, tristeza
Mensageira da dor
Vai, diz a ela
Que eu já esqueci o seu amor
Agora quero outra vez sorrir
Quando o destino não quer
Não adianta insistir
Se a minha sina é essa
Não devo outra vez amar
Eu volto a compor serestas
Volto outra vez a cantar
Lalaialá...

Clique aqui para ouvir a gravação original de Tristeza, por Ary Cordovil, e aqui para ver um vídeo amador em que Walter Alfaiate canta as duas versões do samba.

Texto escrito a partir do depoimento do compositor Nilton de Souza, o Niltinho Tristeza, dado para o blog do Concurso de Marchinhas. Nascido em 15 de outubro de 1936, em Botafogo, ele é morador de Ramos, bairro da Imperatriz Leopoldinense, sua escola de coração. Entre outros sucessos de sua autoria está Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós (parceria com Preto Joia, Vicentinho e Jurandir), samba-enredo com que a escola foi campeã em 1989.

Um comentário:

  1. Assim como Cidade Maravilhosa, Tristeza deveria ser considerada oficialmente como Hino do Rio de Janeiro.Ambas consagradas pelo povo e conhecidas mundialmente (Vox populi, vox dei)se sobrepoem ao desconhecidíssimo hino oficial da cidade que salvo engano se chama (va)Salve o Governador...Ninguém, simplesmente ninguém conhece! A bela composição de Haroldo Lobo e Niltinho Tristeza tem o dom de cantar a tristeza... com alegria. (Japiassú Bricio - 23/05/2017)

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